Até há pouco tempo, utilizar esse tipo de solução era sinônimo de uniformidade e ausência de tratamento estético, por isso era mais comum encontrar os pré-fabricados em obras como centros de distribuição, supermercados, indústrias e shopping centers. Hoje, no entanto, o investimento dos fabricantes no aumento de opções de dimensões, modulações e acabamentos resultam na maior variedade de tipos de obra que adotam o sistema. Mais: as padronizações, antes tão criticadas, já não são mais vistas como um problema, mas como garantia de que o projeto será executado dentro de parâmetros mínimos de qualidade.
"Como nem sempre é o arquiteto quem faz o gerenciamento da obra, e a compatibilização fica nas mãos das construtoras, a solução industrializada traz a garantia de execução conforme o projeto", comenta o arquiteto George Hochheimer, do escritório Hochheimer Imperatori. "É uma forma de agregar valor às obras, reduzindo improvisações no canteiro e melhorando a qualidade final da construção", continua.
Exemplos de obras que tiram proveito das virtudes do pré-fabricado não faltam. É o caso da Casa Gerassi, de Paulo Mendes da Rocha, em São Paulo, e das recém-construídas escolas da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) em Campinas, vinculada à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Além da famosa rede de Hospitais Sarah Kubitschek, de João Filgueiras Lima, o Lelé, com unidades em Brasília, Salvador e Fortaleza. Até mesmo na restauração da Catedral da Sé, em São Paulo, o pré-fabricado foi empregado. Nesse caso, optou-se pelo material pela facilidade em construir - e içar - os torreões que constavam no projeto elaborado em 1912 por Maximiliano Hehl, mas que não tinham sido executados até o restauro, concluído em 2002.
Pré-fabricados de concreto ganham mais adeptos e a fama de representarem garantia mínima de respeito ao projeto
"A obra tinha de ficar pronta rapidamente, e a alternativa foi produzir os elementos no chão da fábrica para então transportá-los e içá-los sobre a estrutura antiga" conta Paulo Sérgio Cordeiro, presidente da Associação Brasileira da Construção Industrializada de Concreto (Abcic). Como a estrutura não suportaria as cargas das novas torres de granito, optou-se por peças de GRFC (Glass Reinforced Concrete), muito mais leves. Para o arquiteto Marcelo Barbosa, do escritório Barbosa & Corbucci, essas experiências revelam que as limitações atribuídas ao sistema industrializado são mais decorrentes de questões culturais e econômicas, do que da tecnologia em si. "A maior prova da evolução é que hoje o pré-fabricado se mimetizou na cidade. Há uma série de obras com esse sistema e que ninguém percebe", afirma.
Essa integração tornou-se possível também porque os pré-moldados passaram a compor sistemas construtivos híbridos, em vez de lutarem sozinhos por todo o espaço da obra. Assim, em edifícios de escritórios, por exemplo, em que se exige flexibilidade de layout, uma combinação recorrente é a utilização de lajes protendidas alveolares, capazes de vencer grandes vãos, e fechamento convencional, por exemplo. Da mesma forma, em construções com estrutura metálica, é comum a incorporação de vigas de concreto pré-moldadas que apresentam melhor desempenho diante do fogo e, por isso, oferecem vantagens com as seguradoras.
"Não é preciso industrializar toda a obra para obter vantagens como redução de prazo, garantia de qualidade, menor geração de resíduos e menor quantidade de horas/homens incidentes ao alto risco no trabalho", acrescenta Aguinaldo Mafra Júnior, diretor da Cassol. "É possível, por exemplo, construir 95% de uma edificação com estrutura industrializada e apenas uma fachada moldada in loco", complementa.
Linha de montagem
A filosofia de construção baseada em um planejamento rigoroso é exigência primordial, baseada em um maior detalhamento de projeto. Só assim é possível aproveitar ao máximo características como maior velocidade de execução, redução de desperdício e de mão-de-obra e maior controle dimensional, trabalhando com peças que se encaixam perfeitamente.
Embora ainda seja comum projetar uma edificação de forma convencional e depois transformá-la em uma pré-fabricada, a regra número um para garantir eficiência é a de que as soluções de pré-fabricação devam surgir durante a concepção do projeto. "Só assim é possível tirar real proveito da racionalização", comenta Cláudio Oliveira Silva, especialista da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP).
Mais opções
Para discutir os pré-fabricados de concreto na arquitetura, AU convidou arquitetos e representantes da indústria para um bate-papo com a redação. Confira o resultado.
aU Como o uso de elementos pré-fabricados de concreto vem evoluindo no Brasil?
João Carlos Leonardi O pré-fabricado começou a ser utilizado em uma escala maior no Brasil no final da década de 1980. Só que, naquela época, era muito fácil identificar se a obra tinha ou não elementos pré-fabricados porque a indústria oferecia o galpão industrial, ou o chamado "padrão caixote". Não havia opção estética nenhuma.
Paulo Sérgio Cordeiro Era um engessamento que já está superado. Hoje, o sistema pré-fabricado é uma alternativa que permite ao arquiteto optar por algo flexível, que tenha uma beleza plástica e que atenda aos critérios técnicos necessários. Além de disponibilizar um sistema mais aberto e arrojado, a indústria coloca à disposição dos especificadores colorações e volumetrias diversas.
George Hochheimer E encontramos fornecedores em qualquer estado do País, ou seja, é uma tecnologia que já está disponível em quase todos os lugares. Essa é uma evolução recente, de quatro, cinco anos.
Cláudio Oliveira Silva Uma das explicações é que nos últimos quinze anos houve uma evolução de materiais, sobretudo do concreto, dos aditivos e das fôrmas, que elevou a pré-fabricação a esse estágio.
Marcelo Barbosa Mas é importante lembrar que o pré-moldado vem muito antes disso. O Rino Levi, por exemplo, já fazia coisas fantásticas com peças pré-fabricadas na década de 1960.
aU Definitivamente, os pré-fabricados não impõem mais limitações aos projetos?
Barbosa Restringe-se muito a discussão ao fator estético. De fato, a forma é importante e o estereótipo do pré-moldado como sendo apenas um caixote ainda pesa. Mas restringir à estética nos leva a um reducionismo das propriedades dos pré-fabricados e da qualidade que a construção industrializada traz. É preciso salientar a modulação, o prazo de obra, a escala industrial. A parte estética pode até ser deixada de lado nesse debate, porque dá para fazer qualquer coisa. Com pré-fabricados é possível erguer desde aberrações, como os neoclássicos, até verdadeiras obras-de-arte. Isso vai depender da concepção arquitetônica.
Hochheimer É questão de linguagem. Depende muito do trabalho do arquiteto fazer com que aquelas peças pré-fabricadas adquiram uma linguagem adequada a uma casa, a um escritório ou a uma indústria.
Barbosa A grande vantagem é que o pré-moldado e a construção industrializada e racionalizada são uma garantia para o arquiteto de qualidade de obra. Com um projeto convencional, sem poder gerenciar a obra, a execução pode comprometer o resultado final de um projeto. Com os pré-fabricados, sabemos que as dimensões e os acabamentos serão respeitados.
Hochheimer O pré-moldado garante o grid. Com esse ponto de partida garantido, o arquiteto pode se dedicar mais à criação e à contextualização daquele empreendimento.
aU Seria uma limitação bem-vinda?
Cordeiro Não diria limitação. Na verdade, é um respeito, uma garantia de que o projeto será realizado com padrões mínimos de qualidade.
aU Quais aspectos devem ser melhorados?
Barbosa Seria ideal se houvesse mais diversificação de materiais, que a relação entre projetistas e fabricantes fosse mais estreita e que a cultura da construção industrializada fosse mais difundida.
Hochheimer Também é importante melhorar o relacionamento com os demais sistemas e fabricantes, como os de estrutura metálica, por exemplo. Além disso, disseminar a tecnologia no mercado é fundamental. Não basta ter apenas algumas boas empresas, mas muitas aumentar o número de opções no mercado para que passe a ser normal trabalhar com pré-fabricados.
Cordeiro As questões técnicas mais problemáticas vêm sendo resolvidas. A Abcic, por exemplo, firmou um convênio recentemente com a Universidade Federal de São Carlos para estudar, entre outras coisas, as ligações do sistema.
Banheiro pronto
Fabricados em GFRC (Glass Fiber Reinforced Concrete), os monoblocos para banheiros da Pavi chegam prontos à obra. Incluem instalações elétricas, hidráulicas e acessórios - basta posicioná-las na área planejada e conectá-las às redes de água, esgoto e energia. Não há restrições quanto ao tipo de revestimento de pisos e paredes, nem de louças sanitárias, torneiras e portas.
Laje alveolar protendida
Com 16, 21 e 26 cm de espessura, as lajes da Precon são fabricadas por processo de extrusão e passam por rigoroso controle de qualidade. Podem ser utilizadas em estruturas pré-fabricadas, metálicas, convencionais e de alvenaria. De acordo com o fabricante, o produto dispensa escoramento e permite vãos livres de até 12 m para uma sobrecarga de 400 kg/m².
Laje alveolar protendida
Aplicável tanto em estrutura pré-fabricada quanto metálica, de concreto moldado in loco ou de alvenaria, a laje da Reago permite vãos de até 15 m, com uma espessura de laje de até 30 cm e largura de 1,25 m. Tem grande capacidade de carga e pode alcançar grandes vãos.
Pilar
A Premodisa disponibiliza elementos de fundação, de vedação e estruturais pré-fabricados em concreto, como os pilares com seção retangular ou quadrada, que podem ter consolos trapezoidais ou retangulares em qualquer face.
Fachada arquitetônica
Os painéis pré-fabricados de concreto da Munte são fixados à estrutura por insertes especiais e vedados entre si com juntas de alta estanqueidade. Entre as opções de acabamento, é possível especificar cores e texturas no próprio concreto. De acordo com o fabricante, montam-se, em média, 100 m² de fachada por dia, por cada equipamento de montagem disponível na obra.
Laje alveolar protendida
Fornecidas pela Premo, permitem vencer grandes vãos com altas sobrecargas e são capazes de proporcionar um teto liso e sem nervuras. Segundo o fornecedor, além da eficiência termoacústica, as lajes não necessitam de escoramentos durante a montagem, racionalizando e agilizando a obra.
Fôrmas especiais
A Transcosul desenvolve fôrmas das lajes e pilares pré-fabricados em concreto sob encomenda. Na construção do colégio Humboldt, em São Paulo, foram utilizados seis pilares curvos, com aproximadamente 6,6 m de altura e 13 toneladas cada um, e 54 lajes com curvatura, que medem cerca de 5,57 x 1,70 x 0,15 m, com 3,5 toneladas cada
Pilar
Produzidos em concreto armado, podem possuir um duto central para escoamento de água das chuvas. Nesses casos, a saída do condutor pluvial é posicionada logo acima do colarinho da fundação. Da Cassol.
AU leituras
· Abcic (Associação Brasileira de Construção Industrializada em Concreto) - www.abcic.org.br
· ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland) - www.abcp.org.br
· Associação Americana de Concreto Arquitetônico Pré-Fabricado (em inglês): www.archprecast.org
Juliana Nakamura
Fonte: Revista Arquitetura e Urbanismo (AU)
Edição 143 - Fevereiro de 2006